A história de uma viúva, herdeira de vários imóveis em Guarulhos, que vive no meio do lixo e da sujeira com mais de 50 gatos; filhas acusam a mãe de cárcere privado por mais de 20 anos
A vida no meio de muito lixo e sujeira, e de mais de 50 gatos, a suspeita de estar com uma grave doença e a acusação de manter as duas filhas por mais de 20 anos em cárcere privado. Este é o drama familiar vivido pela viúva Nalderi Silva, a “dona Michelle”, que, ainda na adolescência, deixou Barreiras, interior baiano, para ganhar a vida em São Paulo. Casou-se com o construtor civil italiano Michelle (lê-se Miquele) Aloísio, veio morar em Guarulhos e, hoje, 10 anos após a morte do marido, mora no “sobrado do horror”, como é conhecido o seu imóvel na avenida Emílio Ribas, 1856, em frente ao Hospital Padre Bento.
O Folha do Ponto – que recebeu denúncias de vizinhos – entrou, com exclusividade, no imóvel, em duas ocasiões. Na segunda vez, a viúva aceitou conceder entrevista e ser fotografada, mas só depois de conversar a sós com o repórter, em um quarto trancado por dentro por ela própria. “Vivo um drama familiar. Estou sofrendo muito. Não sou feliz com minhas filhas, somente com meus gatos. E estão matando eles”, disse chorando. Em duas semanas, cerca de 10 gatos foram envenenados.
Por volta das 10h de sexta-feira, dia 12, a reportagem foi recebido pelas filhas de “dona Michelle”: Karin Bianca Aloísio, 35, e Ana Carla, 43. O fedor de lixo e fezes de gatos é sentido logo no portão de entrada do sobrado, que mais parece um imóvel abandonado. Por conta do tempo frio, a proprietária não saiu do quarto. Pediu para que a visita fosse remarcada para a tarde. As filhas confirmaram os problemas denunciados pelos vizinhos e acreditam que a mãe sofre de uma grave doença.
TERROR – “A gente está muito preocupada. Ela está com um enorme ferimento no tórax. Já fede a podre, mas não quer se tratar. Fica agressiva quando a gente fala em levá-la ao hospital. Ela acha que vai ficar curada em casa. E agora, está em pé-de-briga com os vizinhos, acusados de envenenar seus gatos”, contou Karin, que tem o corpo marcado por mordida dos felinos. “Tenho medo, pois são animais que não estão vacinados. É um risco para todos nós”. Uma vizinha, que pediu para não ser identificada contou que, dias atrás, acionou o Samu, mas dona Michelle rejeitou o atendimento.
As filhas acreditam que a mãe sofre de algum distúrbio psiquiátrico. “Ela aparenta ter os sintomas, mas não há nada comprovado, pois ela nunca foi examinada”, observou Karin. As duas disseram que, hoje, a prioridade é a sua saúde. “Ela geme de dor, exala mal cheiro. A gente fica preocupada”, contou Ana Carla.
As irmãs dormem em uma dependência nos fundos do sobrado. Onde a mãe vive, o odor é insuportável. Gatos estão espalhados em todos os locais. Pouca luz e umidade pioram a cena. A escadaria é repleta de lixo, assim como as dependências do imóvel. É praticamente impossível permanecer muito tempo no seu interior. O local mais se parece um filme de terror.
“Não sou louca, Deus sabe disso”
Uma mulher franzina e magra. Dona de um português fluente. Disse que é inocente, que está vivendo “uma coisa macabra” e, quando falou da morte dos gatos, envenenados nos últimos dias, chorou. Assim é dona Michelle, que assim passou a ser conhecida por conta do nome do marido – Michelle Aloísio. Ela negou estar com uma doença grave, apesar do mal cheiro que exala. “Estou é doente de tristeza por tudo que está acontecendo na minha vida”, desabafou.
Ela disse que os vizinhos estão matando os seus gatos. Afirmou que é humilhada todos os dias. “Me chamam de louca. Mas não sou louca. Deus sabe disso. Apenas tenho amor pelos meus gatos. Cada um deles que morre, é um filho que parte. Entrego tudo a Deus, pois sou católica fervorosa e tenho fé”.
Contou que vive dos aluguéis de seus imóveis e que, recentemente, deu entrada numa pensão no consulado italiano. Afirmou que está cuidado de sua saúde e que não tem medo da morte. “Sei que meus gatos estarão me esperando. Vou encontrá-los”, declarou.
“Não maltratei minhas filhas”, afirmou acusada
Dona Michelle negou a acusação de cárcere privado feita pelas duas filhas. “Nunca maltratei as duas”, afirmou. A mãe de Karin e de Ana Carla disse que já “deserdou as filhas”. “Tenho muito mais amor pelos meus gatos, pois eles são fiéis comigo. Aliás, confio mais neles que nos seres humanos”, desabafou.
A mulher disse que toda a confusão começou por causa de “más amizades” das filhas. Ela admitiu que as duas não freqüentaram a escola. “Elas aprenderam a ler em casa. Comprei a Enciclopédia Barsa e os melhores livros, e dei educação as duas”, contou.
Perguntada se ficou feliz com a formatura da filha Karin, em Letras, pela UnG há três meses, não pensou duas vezes: “fiquei muito feliz. Torço para que ela tenha sucesso na vida, que trabalhe e forme uma família”.
Dona Michelle relembrou que trabalhou durante anos em um escritório de advocacia, em São Paulo. Afirmou que é admiradora número 1 do baiano Rui Barbosa, o “Águia de Haia”, e do jurista Hélio Bicudo. Revelou que, se tivesse feito vestibular, faria para Direito e atuaria na defesa dos animais. Lamentou “a falta de respeito dos filhos com os pais e com os mais velhos nos dias de hoje”. Contou que tem saudade da infância, quando brincava com as bonecas de pano feitas pelo avó.
Secretaria de Saúde reconhece o problema
A Secretaria de Saúde sabe do problema no sobrado número 1856 da avenida Emílio Ribas e afirmou, por meio da sua assessoria de imprensa, que está estudando solução para o caso. Por conta dos gatos, o Centro de Zoonoses já aplicou multa por três vezes.
“Reconhecemos que é um caso de saúde pública. Os técnicos do Centro de Zoonoses conhecem bem o caso, já aplicaram três multas e, agora, está estudando uma forma de resolver definitivamente o problema dos gatos”, explicou a assessoria.